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Como os algoritmos transformaram polarização em estratégia de conteúdo

  • Foto do escritor: Sunê
    Sunê
  • 16 de nov.
  • 3 min de leitura
Existe uma verdade incômoda sobre as plataformas digitais que o mercado evita encarar: os algoritmos não premiam equilíbrio, nuance ou profundidade. Premiam atrito. O que retém atenção ganha espaço. E o que retém atenção hoje não é conteúdo bem construído; é conteúdo que provoca alguma forma de fricção emocional: indignação, choque, oposição, disputa, ironia, rivalidade.

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Redes socias: um ambiente cada vez mais competitivo

Esse mecanismo não é acidental. Ele é consequência direta do modelo econômico das plataformas. Quanto mais tempo o usuário permanece dentro da rede, mais impressões são entregues, mais anúncios são exibidos, mais dados comportamentais são coletados. O machine learning aprendeu, com precisão cirúrgica, que o caminho mais eficiente para prolongar permanência não é o conteúdo informativo, mas o conteúdo polarizador.

E aqui nasce a distorção: o algoritmo otimiza para o engajamento, mas o engajamento de alta intensidade vem, quase sempre, de emoções negativas. O ambiente digital de 2025 é o resultado desse acoplamento. Mais estímulo, menos reflexão. Mais conflito, menos contexto. A lógica é simples: calma não viraliza. Choque, sim.

Para creators independentes, isso produz um incentivo claro: quem entrega antagonismo cresce mais rápido. Mas para marcas, especialmente as que dependem de reputação e longevidade, esse terreno é uma armadilha. A máxima “fale mal, mas fale de mim” nunca foi tão falsa quanto agora. A cultura do cancelamento anulou essa fantasia. Visibilidade não é sinônimo de valor. Uma marca pode virar assunto nacional em 24 horas; e perder dois anos de construção em 48. Não existe visibilidade neutra. Existe visibilidade que converte e visibilidade que destrói.

O problema é que o algoritmo não faz distinção. Para a máquina, “ódio” e “amor” são apenas sinais de alta interação. E esse ponto precisa ser entendido com frieza: quando um conteúdo desperta polarização, o algoritmo não mede o lado. Ele mede o volume. Para ele, um turbilhão de críticas é tão valioso quanto uma onda de elogios. O feed não lê intenção. O feed lê retenção.

Essa dinâmica empurra marcas para um dilema permanente: ou cedem ao jogo e tentam criar conteúdos mais extremos (arriscando reputação) ou mantêm comunicação consistente e pagam o preço de crescer mais devagar. Só que existe uma terceira leitura, mais desconfortável e mais verdadeira: não é que o conteúdo moderado performe menos; é que o sistema hoje desfavorece tudo que não gere conflito.

O resultado é um ecossistema onde marcas sérias são punidas por fazer a coisa certa, enquanto conteúdos borderline passam de mão em mão porque servem ao interesse da plataforma. Não é que o público queira polarização: é que o algoritmo descobriu que polarização entrega mais tempo de tela. Para as marcas, isso significa que o risco reputacional nunca foi tão alto. A fronteira entre repercussão e dano é mínima. Um único conteúdo mal interpretado, um corte fora de contexto, um comentário mal posicionado e você vira combustível para o jogo de atenção. E, uma vez que a espiral negativa começa, ela se retroalimenta. Polêmica gera engajamento. Engajamento gera alcance. Alcance amplifica a polêmica. A máquina não interrompe esse ciclo; ela turbina.


O ambiente atual exige outra maturidade estratégica. Marcas que querem atravessar esse ciclo precisam abandonar a ilusão de que o algoritmo vai premiar qualidade por conta própria. Precisam assumir que visibilidade não é garantia de valor. Precisam operar entendendo que cada peça publicada é também uma aposta reputacional. Esse é o ponto que o mercado ainda não absorveu: o algoritmo não está a favor das marcas. Está a favor dele mesmo. E quem continuar acreditando que todo engajamento é bom vai descobrir, tarde demais, que atenção é uma moeda que pode subir o alcance e, ao mesmo tempo, corroer a marca por dentro.
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