Por que marcas continuam investindo milhões em camisas sem saber o retorno
- Sunê

- 30 de nov.
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Atualizado: 1 de dez.
Marcas investem cifras cada vez maiores em patrocínio de camisa porque enxergam ali um ativo poderoso, com alcance nacional e distribuição orgânica em escala. Em 2024, segundo a Sports Value, o mercado de patrocínios esportivos no Brasil movimentou cerca de R$ 1,9 bilhão, e o espaço principal da camisa ocupou uma fatia expressiva desse valor, ultrapassando R$ 450 milhões.
Esses números traduzem a dimensão desse ativo: ele está presente na televisão, nas redes sociais, no estádio e, sobretudo, no cotidiano de milhões de torcedores. A camisa não depende de impulsionamento, não exige compra de inventário adicional e não se limita ao tempo de exibição de uma campanha. Ela circula de maneira permanente no corpo de pessoas que se deslocam por todos os ambientes da vida urbana. Quando uma marca ocupa esse espaço, ela entra automaticamente em um fluxo de distribuição que ultrapassa qualquer lógica de mídia tradicional.

O volume de circulação é colossal. Entre 12 e 15 milhões de camisas são comercializadas no país anualmente, considerando oficiais, licenciadas e reproduções paralelas. Uma peça desse tipo permanece em uso por anos, muitas vezes atravessando temporadas, campeonatos e até fases distintas da vida do torcedor. Uma camisa comprada em 2019 ainda aparece em 2025 em vídeos amadores, reels, transmissões casuais, viagens, festas de família e qualquer outra situação em que o torcedor queira carregar seu clube no peito.
Essa longevidade expande o impacto publicitário e cria uma espécie de “estoque vivo” de circulação da marca, renovado diariamente, sem custo adicional. As transmissões ampliam esse alcance de forma exponencial. Jogos do Brasileirão em TV aberta alcançam entre 30 e 40 milhões de pessoas em média, e confrontos tradicionais como Flamengo x Corinthians chegam a superar essa faixa. A Libertadores apresenta picos que variam de acordo com o clube envolvido; partidas de times de grande apelo midiático alcançam mais de um milhão de espectadores na TV fechada, sem contar as audiências geradas em plataformas de streaming e nos cortes que viralizam em redes sociais minutos após cada lance. Esse ecossistema audiovisual coloca a camisa em circulação constante em vídeos que se espalham por TikTok, Instagram, X, YouTube e canais secundários de memes e comentários esportivos. O conteúdo se multiplica de forma autônoma. Uma única jogada decisiva pode gerar centenas de replicações e centenas de milhares de visualizações, e toda essa circulação mantém a marca visível sem exigir qualquer investimento incremental.
O comportamento do torcedor reforça esse impacto. Pesquisas do IBOPE Repucom mostram que o engajamento emocional dos brasileiros com o futebol permanece entre os mais altos do mundo. Esse envolvimento produz um ambiente onde a repetição simbólica — ver, comentar, vestir, compartilhar — cria uma camada de lembrança que opera de maneira distinta da publicidade formal. Torcedores conversam sobre seus clubes diariamente, compartilham memes, discutem escalações, postam vídeos caseiros, tiram fotos em festas e passeios, produzem conteúdo próprio e consomem transmissões, programas esportivos e resenhas digitais. A camisa acompanha essas atividades. Quando a marca está aplicada nesse espaço, ela aparece como elemento complementar da identidade do torcedor, criando um tipo de presença mental que nasce da convivência prolongada e da exposição recorrente em contextos afetivos.
O ambiente esportivo acrescenta outra camada decisiva: a volatilidade. O futebol brasileiro entrega cerca de 70 jogos por temporada para clubes com calendário cheio. Em semanas específicas, um clube pode disputar três partidas decisivas, cada uma transmitida para milhões de pessoas, enquanto em outras semanas a atenção nacional se concentra totalmente em outro time, outro confronto, outra história. O impacto gerado em uma temporada com finais, semifinais e grandes vitórias difere completamente daquele observado em momentos de crise, reconstrução ou fases de desempenho mais discreto. A dinâmica emocional da torcida amplifica ou esvazia a visibilidade da marca conforme os acontecimentos se desenrolam. A repercussão de um clássico decidido nos acréscimos, por exemplo, gera picos de buscas no Google, explosão de conteúdo espontâneo e uma enxurrada de menções cruzadas em grupos de WhatsApp, mesas de debate esportivo e comentários de influenciadores.
Esse ambiente cria situações imprevisíveis para quem analisa retorno. Momentos viram eventos culturais. Um drible, um gol, uma entrevista pós-jogo, um gesto de comemoração ou mesmo uma cena curiosa captada pelas câmeras pode gerar ondas de viralização que reposicionam a camisa da marca em milhares de conteúdos espontâneos. A indústria de memes exerce força significativa. Um acontecimento inusitado pode produzir alcance massivo em poucas horas. A marca que aparece na camisa participa desse processo automaticamente. Essa característica coloca o futebol em uma categoria própria: a combinação de relevância cultural com amplificação orgânica cria um campo fértil para a construção de valor simbólico.



