O que o "caso Ruyter" revela sobre a busca pelo retorno rápido
- José Nicolau

- 19 de nov.
- 4 min de leitura
Durante a última década, o Brasil viveu um avanço massivo da educação digital. Entre 2011 e 2021, os cursos superiores de Educação a Distância cresceram 474% segundo o Inep. Em 2024, o país alcançou 10 milhões de estudantes no ensino superior, e pela primeira vez a modalidade a distância superou o presencial, representando 50,7% das matrículas. Em dez anos, o salto acumulado passou de 286%. Esse cenário ampliou o acesso à formação e consolidou o digital como caminho legítimo para estudar.
Esse movimento, porém, abriu espaço para um fenômeno paralelo: a precarização do ensino por meio de cursos rápidos empacotados como “métodos revolucionários”, promovidos por influenciadores e vendidos com narrativas de urgência, sucesso imediato e promessas de retorno acelerado. São produtos que simulam educação, mas operam com lógica puramente comercial e storytelling agressivo.
O caso Ruyter se tornou o símbolo mais evidente desse processo, não pela polêmica em si, mas pela distorção estrutural que ele escancara.

Ruyter construiu presença gigantesca nas redes através de sua personalidade e sempre se ligando à dinheiro, luxo e celebridades. Em novembro desse ano, ele lançou um curso prometendo que qualquer pessoa poderia criar aplicativos com inteligência artificial mesmo sem formação técnica. O produto, divulgado na faixa dos R$ 2.450, foi apresentado como oportunidade única em sua live de apresentação, contadores ao vivo e gatilhos emocionais de escassez. O lançamento mobilizou milhares de pessoas, todas atraídas pela ideia de acessar um atalho tecnológico capaz de gerar renda de forma quase automática.
Cifras divulgadas pelo próprio Ruyter apresentam um faturamento acima de R$ 100 milhões. São estimativas, mas mesmo como estimativas elas expõem um ponto central: um único indivíduo, vendendo um curso de poucas horas, consegue gerar em dias o que uma universidade privada brasileira média fatura em um ano inteiro. Muitas instituições operam entre R$ 30 e R$ 80 milhões anuais, carregando infraestrutura, compliance, professores, pesquisa, atendimento, vida acadêmica e impacto social. Esse contraste mostra o desequilíbrio. No mercado atual, narrativas performáticas sobrepõem a lógica da formação. E esse descompasso ilustra o coração da precarização.
O problema não está apenas na superficialidade do conteúdo. Está na mentalidade que sustenta esse modelo. Parte do público busca sensação de controle sobre o futuro e alívio para a pressão constante de competição e incerteza. Cursos como o de Ruyter oferecem uma história sedutora: existe um caminho rápido, uma ferramenta mágica, um método capaz de comprimir tempo e multiplicar renda sem exigir profundidade técnica. Essa promessa funciona porque reduz, simbolicamente, o peso emocional da ansiedade moderna. Ao entrar num curso assim, o aluno compra uma narrativa, uma identidade temporária, uma esperança concreta. A educação vira placebo emocional. E isso cria terreno fértil para precarização extrema.
Enquanto isso, o ensino formal enfrenta seus próprios desafios. O avanço acelerado do EaD ampliou o acesso, mas trouxe um debate sério sobre qualidade: relatórios acadêmicos já discutem cargas horárias reduzidas, dificuldades práticas em formações complexas e queda de rigor pedagógico em algumas instituições. Se até estruturas reguladas lidam com esse tipo de pressão, imagine o cenário dos cursos oportunistas, que operam fora de qualquer estrutura curricular, sem auditoria, sem métricas de efetividade e com foco total na maximização de faturamento.
A inteligência artificial aumentou ainda mais o apelo desses cursos. Ela cria sensação de poder imediato, de capacidade ilimitada, de autonomia instantânea. Porém, ferramentas de IA ampliam resultados principalmente quando usadas por pessoas com repertório técnico consolidado. Elas aceleram raciocínios já estruturados, fortalecem processos existentes e potencializam profissionais experientes. Quando apresentadas como substitutas de conhecimento, geram ilusões perigosas. A promessa de que alguém poderá criar aplicativos rentáveis apenas clicando em interfaces automáticas entrega sensação de competência, mas não constrói domínio real. A precarização floresce justamente nessa lacuna entre sensação e habilidade.



