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Por que o 'combo vitalício' se tornou a nova Black Friday do marketing digital

  • Foto do escritor: Sunê
    Sunê
  • 14 de nov.
  • 4 min de leitura
Basta abrir o Instagram por cinco minutos para encontrar algum vídeo dizendo que o mercado de infoprodutos acabou. De um lado, influenciadores frustrados com seus lançamentos. De outro, consumidores ironizando promessas irreais de "liberdade financeira em 30 dias". Para reforçar essa tese do colapso, viralizam ofertas de acesso vitalício a dezenas de cursos por valores simbólicos, como se fosse um saldão de encerramento. Mas essa interpretação é rasa e, sobretudo, confortável. Porque esconde a real transformação em curso: o fim da era do dinheiro fácil disfarçado de educação.

O mercado não quebrou. Ele amadureceu: e está cobrando coerência.

Burros vestidos de executivos
Será o fim da era dos cursos digitais?

Nos últimos anos, uma parte do universo de cursos online se distanciou completamente da ideia de educação. Em vez de formação, oferecia fórmulas. Em vez de aprender, prometia faturar. A prática pedagógica foi trocada por gatilhos mentais. A construção de conhecimento, por templates de funis e páginas de vendas. E isso não é um problema apenas de comunicação, é uma escolha de modelo.

Não à toa, esse modelo está em colapso. O que vemos agora não é o fim dos cursos online, mas o esgotamento de uma lógica que tratava ensino como produto empacotado e persuadia o público com argumentos de urgência, escassez e pertencimento, muitas vezes desconectados de qualquer entrega real. Técnicas de marketing legítimas, como copywriting e funis de conversão, foram distorcidas para sustentar narrativas de sucesso sem base. Vender esperança virou mais lucrativo do que ensinar competência.

Esse modelo só existiu por tanto tempo porque o custo de entrada era baixo e o retorno, rápido. Durante a explosão dos cursos digitais entre 2017 e 2021, bastava montar uma landing page chamativa, gravar alguns vídeos e ativar campanhas nas redes para ter alguma chance de lucro. A lógica era de escala: vender muito, rápido, antes que o público percebesse a baixa qualidade. Era o equivalente digital das escolas de fachada, e como todo modelo extrativista, não sustentava uma segunda geração de alunos.

Agora, com mais concorrência, mais consciência e menos margem de manobra, o jogo virou. O consumidor aprendeu a identificar promessa vazia. O custo de aquisição (CAC) aumentou. O retorno sobre investimento (ROI) caiu. E os cursos que sobreviveram foram justamente os que levavam o processo de aprendizagem a sério.

Nesse cenário, surgem novas estratégias. O acesso vitalício, por exemplo, foi adotado inicialmente por grandes players como forma de facilitar a tomada de decisão do cliente, reduzir fricções e aumentar o ticket médio. É uma resposta legítima ao cansaço com assinaturas e à busca por clareza na proposta de valor. Mas não deve ser confundido com salvação de um mercado supostamente em crise. É uma tática pontual, não um plano de resgate.

Navegando em direção ao fim?
Navegando em direção ao fim?

O discurso do fim do mercado serve bem àqueles que estavam acomodados com um jogo fácil. Um jogo em que persuasão era mais importante que entrega, e onde bastava decorar os gatilhos certos para se tornar um "especialista em sete dígitos". Mas esse jogo acabou porque a atenção do público não é infinita: e porque o público muda. A audiência que uma vez se encantou com promessas rápidas hoje busca solidez. Quer processo, não pacote. Quer aprender, não comprar acesso.

E isso tem implicações sérias para quem continua no jogo. Não basta trocar o modelo de assinatura por vitalício. É preciso reformular a estrutura. Suporte, atualizações, curadoria de conteúdo, acompanhamento da jornada — tudo isso precisa estar previsto. Não há mágica: só faz sentido vender acesso vitalício se o LTV (valor de tempo de vida do cliente) justificar essa decisão. Senão, é só outra promessa insustentável disfarçada de inovação.

Ao mesmo tempo, essa mudança força uma crítica mais ampla ao modo como tratamos a educação no digital. Durante muito tempo, o marketing foi usado não para valorizar a aprendizagem, mas para maquiar sua ausência. Técnicas de copywriting extraídas da psicologia comportamental foram usadas para convencer pessoas a comprar cursos que jamais pretendiam entregar transformação. Isso não é problema da ferramenta — mas da intenção por trás do uso.
Marketing não é vilão. Copy não é o problema. A questão é quando essas ferramentas deixam de servir à clareza e passam a alimentar uma ilusão. Quando o objetivo não é comunicar bem, mas sim converter a qualquer custo. Isso não é estratégia. É oportunismo.

A boa notícia é que esse tipo de produto está perdendo espaço. O mercado está selecionando os produtores que investem em base pedagógica, constroem autoridade com consistência e entendem que educação é um processo contínuo. São esses que sobrevivem: aqueles que, mesmo usando as mesmas ferramentas de marketing, colocam o conteúdo no centro da proposta de valor.
Por isso, afirmar que "o mercado de cursos quebrou" é, no mínimo, desonesto. O que está ruindo é a fantasia do enriquecimento rápido. A ilusão de que saber vender é mais importante do que saber ensinar. E que bastava repetir fórmulas para construir um negócio sustentável.
O digital continua sendo um espaço potente para formação, transformação e autonomia. Mas agora ele exige mais. Mais entrega. Mais estrutura. Mais ética. E, principalmente, mais respeito pela inteligência de quem compra.

Em vez de lamentar a queda de um modelo ultrapassado, é hora de celebrar o amadurecimento do setor. O vitalício pode ser uma boa estratégia. O conteúdo gratuito, uma excelente porta de entrada. As comunidades pagas, um formato viável. Mas nenhuma dessas táticas funciona sem uma base sólida de entrega real.

A venda de cursos online está viva. Só não tolera mais amadores com discurso ensaiado. Quem quiser seguir jogando vai precisar parar de vender atalhos e começar a construir caminhos. Porque o público cansou de ilusão, e começou a cobrar resultados de verdade.
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